Nos arredores de Genebra, na fronteira entre a Suíça e a
França, uma enorme construção em forma de globo chama a atenção até mesmo do viajante
mais desavisado. Com uma área de 200 hectares, equivalente a cerca de dez
estádios do Maracanã, o CERN (Organização Europeia para Pesquisa Nuclear) é o
maior laboratório de física do mundo. Talvez você nunca tenha ouvido falar
nessa organização, uma joint-venture formada por 21 países-membros, mas, para
ler esta reportagem, está fazendo uso de um dos projetos desenvolvidos por lá:
a internet.
Com 60 anos de história, o CERN ficou em evidência nos
últimos anos depois da confirmação da existência do Bóson de Higgs, ou
“Partícula de Deus”, ocorrida em julho de 2012. A descoberta, considerada a
peça que faltava na atual teoria da física de partículas, foi feita no maior
experimento do laboratório, o acelerador de partículas LHC (Grande Colisor de
Hádrons, na sigla em inglês).
Construído com investimento de R$ 15 bilhões, o LHC é um
túnel circular de 27 quilômetros de comprimento e tem quatro detectores de
partículas principais (Atlas, Alice, CMS e LHCb). “No LHC, as partículas são
submetidas a experiências com as mais extremas energias e densidades que podem
ser criadas dentro de um laboratório. São densidades comparáveis às registradas
alguns microssegundos após o Big Bang. É difícil dizer de onde sairá a próxima
grande descoberta, mas a história recente tem nos mostrado que as maiores
potencialidades de descoberta se dão quando forçamos os limites da energia. É
por isso que o CERN dá tanta atenção ao LHC, onde encontramos o Bóson de Higgs
usando apenas um terço da capacidade de armazenamento de dados”, afirma Urs
Wiedeman, físico teórico sênior do CERN.
O LHC voltou a operar em março de 2015, depois de dois anos
em manutenção para poder desenvolver novas pesquisas com maior energia nominal.
“O trabalho no LHC está apenas em seu início e planos realistas indicam que
poderemos explorar essa máquina por mais 15 ou 20 anos, com o objetivo de
entender melhor como a massa é dada à matéria que nós vemos, compreendendo
porque há mais matéria do que antimatéria no universo”, acrescenta Wiedeman.
Apesar de o CERN concentrar seus estudos nas menores partículas
existentes na natureza, o que pode ser considerado como distante do cotidiano
da maioria das pessoas, o laboratório teve atuação decisiva no desenvolvimento
da internet. Em 20 de dezembro de 1990, o britânico Tim Berners-Lee estabeleceu
os conceitos básicos da web: a URL, o http e o html. Na mesma data, o físico
colocou no ar o primeiro site da história (Info.cern.ch).
Tentando aproximar o cidadão comum da ciência, o CERN
realiza anualmente dezenas de projetos e exposições. Em 2013, o laboratório
recebeu mais de 90 mil visitantes de 63 países, além da participação de
milhares de professores de física de 21 países em cursos com duração de uma
semana.
O Brasil, que aguarda desde 2013 a aprovação do Congresso
Nacional para se tornar membro-associado do CERN, tem mais de cem pesquisadores
no laboratório europeu. “A ciência atualmente é muito mais uma atividade de
grupo, realizada de forma colaborativa e compartilhada, do que ideias
brilhantes de indivíduos isolados pelo mundo”, analisa o pesquisador Bruno
Lenzi.
Estrutura horizontal
Em seus 60 anos de existência, o CERN já recebeu mais de 11
mil cientistas de 113 países. Pesquisador da joint-venture internacional há 20
anos, Marumi Kado, coordenador do Atlas, um dos principais detectores de
partículas do LHC, lembra que a diversidade cultural o estimulou a continuar no
laboratório. “Quando eu cheguei ao CERN, achei impressionante essa diversidade
de pessoas, com diferentes culturas vindas de todo o mundo. Esse aspecto com
certeza foi um incentivo a continuar aqui, pesquisando a física de
partículas.”
Para a italiana Valentina Gori, o trabalho com
pesquisadores de diferentes nacionalidades também facilita o intercâmbio de
informações, o que, consequentemente, acelera a realização de novas
descobertas. “Você sente que está no centro onde tudo acontece, fica sabendo
rapidamente de qualquer avanço científico e consegue conversar e trocar informações
com os melhores físicos do mundo. É muito estimulante”, argumenta.
A diversidade cultural do CERN é acompanhada por uma
estrutura e horizontal, na qual os pesquisadores desenvolvem seus estudos de
maneira independente, sem a pressão de um chefe direto.
“Diferentemente da universidade, onde você tem um professor
e vários estudantes pesquisadores, a estrutura hierárquica aqui é bastante
flexível. Mesmo os pesquisadores iniciantes ou intercambistas têm independência
para conduzir seus trabalhos. Consideramos essa liberdade muito importante,
porque ela que nos levará às ideias que depois serão testadas aqui”, afirma
Wiedeman.
Equilíbrio entre gêneros
O CERN também tem buscado implementar uma série de medidas
para incentivar a entrada de pesquisadoras no laboratório e, com isso,
equilibrar o número de homens e mulheres em seu quadro de funcionários. De 1996
até 2012, o instituto conseguiu fazer no setor administrativo subisse de 18%
para 51%.
Entre os físicos, o índice também tem crescido, mas ainda
segue desproporcional. Em 2012, as pesquisadoras ainda representavam apenas 10%
dos físicos no laboratório, número cinco vezes maior que o registrado em 1996.
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